Planos de saúde: STJ decide sobre o reembolso de despesas em estabelecimento não credenciado

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o direito de uma beneficiária de plano de saúde ao reembolso integral de tratamento realizado em estabelecimento não credenciado, dada a indisponibilidade de prestador de serviço na área do município abrangida pelo contrato.

No caso analisado pela Quarta Turma da Corte (Recurso Especial nº 1.842.475), a beneficiária, ao ser diagnosticada com câncer, descobriu que não havia na cidade hospitais habilitados pelo plano para realização de exames e sessões de radioterapia e quimioterapia.

Foi decidido que, seja em razão da primazia do atendimento no município pertencente à área geográfica de abrangência do contrato, seja pela impossibilidade de a beneficiária se locomover ao município limítrofe, é devido o reembolso integral das despesas.

O artigo 4º da Resolução Normativa nº 259/2011, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é expresso ao estabelecer que, na hipótese de indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial que ofereça o serviço ou procedimento demandado, o plano de saúde deverá garantir o atendimento em prestador não integrante, no mesmo município.

Posicionamento antagônico foi defendido pelo relator, Ministro Luis Felipe Salomão — que restou vencido –, o qual destacou que o reembolso seria indevido, dentre outras razões, pelo risco de desestruturação dos planos de saúde, resultando no aumento de custos e, especialmente, no encarecimento de mensalidades.

Seu parecer causa um certo estranhamento, pois não se apagará da memória forense o voto proferido por ele próprio, no REsp nº 1800032, repelindo o argumento das instituições financeiras de que subiriam as taxas de juros de empréstimos se, ao produtor rural, fosse facultado o exercício da recuperação judicial.

Naquela oportunidade, o Ministro combateu ferozmente o “argumento terrorista” dos bancos, ressaltando que faria ruir qualquer tentativa de intimidar o STJ com a alegação de que o mercado reagiria com aumento de taxas.

Nesse contexto, é minimamente incongruente defender a impossibilidade de reembolso dos beneficiários de planos de saúde sob a alegação de que impactos incorridos nas despesas se refletirão em reajustes de mensalidade.

O Judiciário não pode, jamais, sucumbir ao esperneio ladino de grandes conglomerados, que buscam a todo custo a maximização de resultados para o regozijo de seus acionistas.

Permita-se uma digressão: recentemente, foi comemorado o centenário da morte de Ruy Barbosa, conhecido como o político jurista mais notável da história nacional. Na obra Oração aos Moços, ele destaca que a ira, quando verbera o escândalo, a brutalidade, não é agrestia rude, mas sim exaltação virtuosa; não é soberba, que explode, mas indignação que ilumina.

Na sequência, chega à conclusão de que, em determinadas hipóteses, não somente não peca a pessoa que se irar, como também pecará não se irando. Transcendendo seu tempo, as verdades ditas por ele são totalmente oportunas aos debates hodiernos, marcados pela ruptura entre a realidade social e a aplicação do direito.

Malgrado o posicionamento divergente seja digno de questionamento, a decisão da Quarta Turma — cujo acórdão acabou relatado pelo Ministro Marco Buzzi — deve ser vista com bons olhos, ainda mais sabendo que aproximadamente 50 milhões de pessoas dependem do sistema de saúde suplementar no Brasil, conforme dados divulgados pela ANS.

Relatos de consumidores logrando êxito em litígios contra planos de saúde são estampados nos periódicos com frequência, e a análise superficial do conteúdo desperta uma lídima sensação de justiça no leitor.

Contudo, não percamos de vista a outra face do problema: existe, no Brasil, uma verdadeira guerra sendo travada por meio de uma enxurrada de ações judiciais – no período de 2015 a 2021 foi registrada, por ano, uma média de 400 mil novos processos ligados à temática da saúde, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A evolução da jurisprudência, de forma isolada, já não é suficiente para desatar o nó górdio em que o sistema de saúde suplementar está envolvido – considerando o número assustador de demandas judiciais, a solução deve passar pelo investimento cada vez maior em tecnologias voltadas à resolução extrajudicial de conflitos, conferindo celeridade e segurança aos que mais precisam.

Recorrendo novamente às palavras de Ruy Barbosa: “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta“.

*Stéfano Ribeiro Ferri, sócio-fundador do Stéfano Ferri Advocacia. Assessor da 6.ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB – SP. Membro da Comissão de Direito Civil da OAB – Campinas

Fonte: O Estado de S. Paulo