Autogestões respiram aliviadas

Decreto aprovado na Câmara, que agora depende de sanção do Senado, derruba exigência de uma carteira mínima de 20 mil vidas seguradas

A aprovação na Câmara dos Deputados, em 13 de julho, do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 956 que   mantém inalteradas as regras dos planos de saúde das estatais federais, foi comemorada pelas autogestões em saúde ligadas a fundos de pensão patrocinados por companhias controladas pela União. O texto de autoria da deputada federal Erika Kokay (PT-DF), agora em tramitação no Senado, torna sem efeito a Resolução 23 aprovada em 2018 pela Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (CGPAR) estabelecendo, entre outras exigências, um mínimo de 20 mil beneficiários para validar a continuidade das operações dessas entidades a partir de janeiro do próximo ano.

“A exigência de 20 mil vidas não tinha nenhum embasamento de caráter técnico”, comenta José Antônio Diniz Oliveira, membro titular do conselho deliberativo da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) e diretor executivo da Fio- Saúde. “Há várias entidades de menor porte, algumas até com menos de mil participantes, em situação de absoluto equilíbrio. Muitas delas seriam inviabilizadas pela regra da CGPAR.” Antes trabalhando contra o relógio para obter adesões em grande escala aos seus planos, as autogestões em saúde esperam que o texto da deputada seja aprovado no Senado.

De qualquer forma, no momento elas deixam de estar ameaçadas pela Resolução 23 e ganham condições de continuar seus planos de expansão. O exemplo de maior destaque é a Eletros-Saúde. Criada em 2019, a entidade passou a contar com um CNPJ próprio no segundo semestre do ano passado e está prestes a concluir o processo de separação da Eletros, o fundo de pensão dos funcionários da Eletrobras e outras pequenas patrocinadoras estatais ligadas ao sistema elétrico.

A autonomia já havia sido ratificada, entre abril e maio, pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc)”, explica o superintendente da autogestão, Rogério Carlos Lamim Braz. “Agora, só dependemos do cartório de registro de pessoas jurídicas para sacramentar a cisão.”

A Eletros-Saúde, de Rogério Carlos Lamim Braz, só depende de um registro em cartório para concluir sua cisão da Eletros, o fundo de pensão da Eletrobras

Cumprida esta última formalidade, a Eletros-Saúde, que soma cerca de 7 mil vidas, estará 100% apta a concretizar negociações de adesões de novos patrocinadores e de fusões com autogestões de menor porte mantidas desde o ano passado. Na avaliação de executivos e especialistas do sistema, o projeto de expansão, além de garantir à autogestão reduções de custos fixos e de riscos, contribuirá também para mitigar riscos de eventuais retiradas de patrocínio após a privatização da Eletrobras (ver box), prevista para o início do próximo ano.

“Hoje, mantemos conversações avançadas com três potenciais patrocinadores”, diz Braz sem nominá-los “por uma questão estratégica”. Segundo ele, “a adesão do maior deles já seria suficiente para ultrapassarmos a marca de 20 mil vidas”. Braz já considera a Resolução 23 uma página virada. “O PDC 956 foi aprovado por ampla maioria na Câmara – 365 votos a favor e 39 contra. Informações de bastidores indicam que no Senado, onde a votação será em turno único, o resultado também será amplamente favorável às autogestões.”

Se as previsões se confirmarem, também deve cair o teto de gastos com planos de saúde definido pela Resolução 23, de 8% da folha de pagamento das estatais. Relatório elaborado pelo Ministério da Economia indica que, em 2019, as despesas médias do gênero nas 46 controladas da União estavam apenas 0,6 ponto percentual abaixo desse limite. Dessas, treze companhias superavam a media, com destaque para os Correios que gastaram R$ 2 bilhões em 2019 em assistência à saúde, o equivalente a 21,24% da sua folha de salários.

Os gastos com saúde estão se tornando inviáveis não apenas para as estatais, mas de uma forma geral”, observa Andrea Mente, sócia da Assistants Consultoria Atuarial. “Em diversas empresas privadas, as despesas com esses benefícios já superam 20% da folha de pagamento”, considera a consultora.

O fenômeno, na sua visão, é fruto do modelo doméstico de pagamento das operadoras de saúde aos seus principais fornecedores – médicos, hospitais, laboratórios, clínicas etc.–, que, ao não contemplar a qualidade e a eficácia dos serviços, estimula a ineficiência. Não por acaso, a inflação médica no Brasil, que se encontra muito acima da média internacional, supera em oito pontos percentuais a variação dos índices convencionais de preços. A solução, aponta Andrea, é a cobrança sistemática de resultados das empresas e dos profissionais da saúde, prática que tende a ganhar escala, e argumentos, com o desenvolvimento de protocolos de atendimento.

“Os gastos com saúde estão se tornando inviáveis não apenas para as estatais, mas de uma forma geral”, observa Andrea Mente, da Assistants Consultoria Atuarial

“Os Estados Unidos estão à frente desse movimento, lançando mão de tecnologias de big data e inteligência artificial para a definição de referências. A ideia, em síntese, é condicionar os pagamentos dos prestadores de serviços ao cumprimento dos protocolos”, diz ela. “No cenário local, o Instituto Brasileiro de Atuária, o IBA, vem trabalhando com a ANS na elaboração de padrões a serem seguidos e já há, inclusive, operadoras de menor porte que estabelecem critérios técnicos para a remuneração de médicos e hospitais. Mas ainda temos muito o que avançar.”

Fonte: Revista Investidor Institucional