1. Introdução
O objetivo desse estudo é caracterizar os beneficiários que concentram os mais altos custos numa operadora de planos de saúde em termos de demografia, características clínicas e padrões de utilização da assistência à saúde e de despesas assistenciais. Para tanto, foram utilizados dados assistenciais de uma operadora da modalidade de autogestão com 76,1 mil beneficiários no ano de 2015. Os dados utilizados não são representativos do agregado do mercado da Saúde Suplementar, já que as autogestões possuem características específicas. Mas deve-se salientar que é importante se identificar e compreender o grupo de beneficiários de alto custo, pois em todo o setor de saúde esse grupo representa uma alta parcela das despesas assistenciais e possuem necessidades mais complexas.
Eles são mais prováveis de terem uma condição médica mais grave e de serem afetados por eventos adversos preveníveis, por estarem em maior contato com o sistema de saúde em relação aos demais beneficiários (Blumenthal et al, 2016). Além disso, como os idosos tendem a apresentar um maior número de condições crônicas que necessitam de cuidados complexos e de alto custo, é provável que esse grupo aumente com o envelhecimento da população. Portanto, é crucial para a sustentabilidade do setor de saúde que grupo de alto custo seja devidamente identificado e que ações sejam tomadas para que se diminua o risco das pessoas de ingressarem nesse grupo.
A análise dos dados da operadora mostrou que a distribuição das despesas assistenciais está altamente concentrada em uma pequena porção de beneficiários. Em 2015, os 5% de beneficiários que geraram maior despesa assistencial (3.808 pessoas) foram responsáveis por 66,5% (R$ 354,9 milhões) da despesa assistencial total. Como pode ser observado no Gráfico 1, à medida que se acumula os beneficiários ordenados do menor custo para o maior, a despesa assistencial aumenta de forma relativamente lenta. Quando se chega aos 5% de beneficiários que mais gastam, a despesa assistencial cresce abruptamente. No grupo de alto custo (5% que mais gastam), a despesa assistencial por pessoa varia do mínimo de R$ 20.815 no ano ao máximo de R$ 5,7 milhões no ano.
A alta representatividade dessa pequena parcela de beneficiários na despesa assistencial total torna necessário entender as características que definem esse grupo e entender por que eles geram despesas tão elevadas. No Gráfico 1, a porcentagem destacada de 33,5% indica que 95% dos beneficiários (72.361 pessoas) são responsáveis por 33,5% das despesas assistenciais.
2. Perfil dos beneficiários por grupo de despesa
a. Gênero
Entre os beneficiários no grupo dos 5% de maior custo, 56,8% são mulheres, uma proporção semelhante à encontrada nos demais 95% de beneficiários (57,9%), como pode ser observado no Gráfico 2. De acordo com dados da ANS, 53,4% dos beneficiários de planos de saúde são do sexo feminino.
b. Idade
Ao analisar a composição etária, um padrão emerge e diferencia significativamente os dois grupos. No gráfico 3, o padrão etário do grupo dos 5% de maior custo sugere que há uma relação entre idade avançada e altos valores de despesa assistencial. Nesse grupo, 64% dos beneficiários possuem 65 anos ou mais. No grupo dos demais 95%, 32% dos beneficiários têm 65 anos ou mais. Isso significa que a maior parte do alto custo está ocorrendo para beneficiários idosos (Gráfico 4).
Esse resultado é condizente com a literatura que afirma que geralmente o alto custo se concentra nas faixas mais idosas, pois os idosos possuem necessidades específicas relacionadas à idade, como aumento da incidência de de doenças crônicas e perda de capacidade funcional, (Veras et al.). Os idosos em média apresentam um maior índice de multimorbidade, o que acarreta uma maior necessidade de cuidados médicos e tratamentos simultâneos. Um estudo realizado para seis países de renda-média como o Brasil (China, Gana, Índia, México, Rússia e África do Sul) constatou que a prevalência de multimorbidade aumentou substancialmente com a idade em todos os países (Lee, 2015). Nessa análise, a prevalência de multimorbidade aumentou de 1,4% na faixa etária de 18 a 29 anos para 40,0% na faixa etária de 70 anos ou mais.
c. Condições Crônicas
O grupo dos 5% de maior custo possuem uma porcentagem maior de pessoas com condições crônicas selecionadas em relação ao grupo dos demais 95%. Foram identificados 2,65% de beneficiários diabéticos no primeiro grupo, 11,32% das mulheres com câncer de mama e 13,3% dos homens com câncer de próstata (Tabela 1). No segundo grupo foram identificados 0,85% de beneficiários diabéticos, 5,5% das mulheres com câncer de mama e 4,51% dos homens com câncer de próstata (Tabela 2). Esse resultado já era esperado pois, em geral, os idosos apresentam uma maior probabilidade de apresentar condições crônicas (Lopes etal., 2014) e, como observado na seção anterior, o grupo dos 5% de maior custo é composto pode 64% de idosos. Vale destacar que a prevalência das doenças crônicas dessa base de dados pode estar subestimada devido ao fato de o indicador de doença não ser consistentemente recolhido para todos os beneficiários.
Nas Tabelas 1 e 2 pode-se observar também que os doentes crônicos do grupo dos 5% de maior custo possuem uma despesa total média superior à dos doentes crônicos dos demais 95%. Por exemplo, um diabético do primeiro grupo gerou uma despesa total média de R$ 67.875 enquanto que um diabético do outro grupo gerou uma despesa total média de R$ 4.906. No grupo dos 5% de maior custo, os beneficiários identificados com câncer de próstata apresentaram a maior despesa média (R$ 93.353). Já no grupo dos demais 95%, a maior despesa média foi apresentada pelos beneficiários identificados como possuindo diabetes concomitantemente com algum tipo de câncer (R$ 6.511).
A presença de condições crônicas associadas a idade avançada pode estar associada a maiores custos de cuidados de saúde por várias razões. Algumas delas são: (i) a complexidade da coordenação de cuidados entre os vários prestadores de assistência à saúde, incluindo a duplicação de exames e procedimentos, (ii) o aumento do uso de especialistas ou (iii) a maior probabilidade de ser hospitalizado Aldridge e Kelley, 2015). No Brasil, por exemplo, a prevalência de diabetes reportada na Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 foi de 6,2% e aumentou com o avanço da idade, atingindo aproximadamente 20% da população das faixas etárias de 65 a 74 anos e de 75 anos ou mais, um contingente superior a 3,5 milhões de pessoas (Iser etal, 2015).
Além de alterações no metabolismo decorrentes do envelhecimento em si, o aumento de idade associa-se com redução da atividade física e, em algumas situações, como os hábitos alimentares pouco saudáveis (Iser et al, 2015). Mas há que se levar em conta que, com o aumento da idade há aumento da probabilidade de ser diagnosticado, tendo em vista que a realização do exame de diagnóstico para diabetes é indicada especialmente para pessoas a partir dos 45 anos, quando aumenta a ocorrência da doença.
3. Despesas assistenciais e frequência de utilização para os principais grupos de procedimentos
Os beneficiários do grupo dos 5% de maior custo apresentaram maior frequência de utilização em relação aos demais beneficiários para todos os procedimentos analisados. No ano de 2015, os beneficiários de maior custo realizaram em média 80,6 exames ambulatoriais (Tabela 3).
Em contrapartida, os demais beneficiários realizaram em média 30,9 exames ambulatoriais (Tabela 4). O valor que destaca a discrepância entre os dois grupos é o número de internações. Para os demais 95%, a cada 100 beneficiários houve 11,8 internações (Tabela 4). Já no grupo dos 5% de maior custo, a cada 100 beneficiários houve 190 internações (1,9 internação por pessoa), ou seja, todos beneficiários desse grupo se internaram pelo menos uma vez em 2015 (Tabela 3).
Além de se internarem mais, os beneficiários de maior custo ficam mais tempo no hospital. Como pode ser observado nas tabelas 3 e 4, enquanto em média um beneficiário de maior custo tem 21 diárias no ano, um beneficiário do grupo dos demais 95% tem 0,3 diárias no ano.
A maior frequência de internação do grupo de maior custo pode estar relacionada à presença de doenças crônicas, pois em geral uma maior prevalência de doenças crônicas está associada a uma maior probabilidade de hospitalização (Lee, 2015). Por exemplo, em estudo realizada para a Rússia, observou-se que 11% das pessoas que não possuíam doenças crônicas se internaram no período analisado, enquanto 35% dos que possuíam mais de três doenças crônicas se internaram no mesmo período (Lee, 2015).
A maior frequência de utilização de internações no grupo de 5% de maior custo se reflete na distribuição da despesa assistencial nesse grupo. No gráfico 5, nota-se que as internações são responsáveis por 92% das despesas assistenciais do grupo de beneficiários de 5% de maior custo. Os exames ambulatoriais respondem por 7% e as consultas por 1%.
No Gráfico 6 está representada a distribuição das despesas assistenciais do grupo dos demais 95%. Para esse grupo as internações são responsáveis por 50% das despesas assistenciais, os Exames ambulatoriais por 28% e as Consultas por 22%. A distribuição das despesas nesse grupo se assemelha mais à distribuição para o total de beneficiários da saúde suplementar, como divulgado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em 2015, as despesas assistenciais das operadoras médico-hospitalares apresentaram a seguinte distribuição: 46,5% de internações, 22,5% de exames e 17,4% de consultas médicas (ANS, 2016).
Para todos os procedimentos analisados, a despesa assistencial mostrou-se maior para o grupo dos 5% de maior custo em relação aos demais 95%. Em média, cada beneficiário do grupo dos 5% de maior custo gastou em média R$ 965,6 com consultas médicas em 2015 (Tabela 5), enquanto que cada beneficiário dos demais 95% gastou em média R$ 562,0 (Tabela 6). A diferença entre os valores é maior para o item internação. No grupo dos 5% de maior custo, o valor da internação por beneficiário é em média de R$ 85.948,6 (Tabela 5), enquanto que no outro grupo esse valor é em média R$ 713,6 (tabela 6). Esses valores indicam que as internações do grupo de alto custo, além de durarem mais como visto anteriormente (o número médio de diárias é maior), provavelmente contemplam procedimentos mais complexos e são realizadas por beneficiários com estado de saúde mais crítico.
4. Conclusão
O objetivo desse estudo foi caracterizar a população de beneficiários que concentram as despesas assistenciais mais altas em uma operadora de autogestão. A análise dos dados levou à conclusão de que as principais características determinantes do alto custo são idade avançada e presença de doenças crônicas.
A idade avançada se destaca como o principal diferencial entre o grupo que contempla os 5% dos beneficiários que apresentam o maior custo em relação aos demais beneficiários dada a alta porcentagem de idosos com 65 anos ou mais. Em geral, idosos tendem a possuir um maior número de doenças crônicas e maior necessidade de cuidados assistenciais do que pessoas mais jovens. Mas os dados indicam que os idosos do grupo de alto custo (5%) nessa base de dados estão com uma situação de saúde provavelmente mais deteriorada do que a média dos idosos brasileiros, já que todos internaram pelo menos uma vez em 2015 e possuem uma média de diária em UTI de 5,4 dias.
A caracterização dos beneficiários que geram os maiores custos permite que, na medida em que se entende melhor essa população, se possa desenvolver melhores formas de atende-la ou mesmo que se evite que ela tenha necessidade de tantos tratamentos médicos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, um estudo (Aldridge e Kelley, 2015) identificou que os indivíduos que têm elevados custos de cuidados de saúde se encaixam em algum desses três grupos: indivíduos que estão no seu último ano de vida (população no final da vida); indivíduos que persistentemente geram altos custos anuais de cuidados de saúde devido a condições crônicas, limitações funcionais ou outras condições e não estão no fim da vida (população com custos persistentemente altos); e indivíduos que passaram por um evento de saúde significativo em um ano, mas que retornam à saúde normal (população com um evento discreto de alto custo, como pessoas que têm um infarto do miocárdio ou indivíduos que são diagnosticados com câncer precoce).
A maior representatividade é da população que incorre em um evento discreto (49%) e há relativamente menor probabilidade de redução de custos nesta população, porque muitos desses eventos não são evitáveis. A menor proporção dos altos custos são os indivíduos no fim da vida (11%), para os quais também, de acordo com os autores, as possibilidades de ações para redução do custo são limitadas. Já a segunda maior proporção da população de alto custo é formada por aqueles com custos de saúde persistentemente elevados (40%).
Como esse grupo é caracterizado por condições crônicas e limitações funcionais, ele pode ser uma população-chave para intervenções focalizadas para reduzir custos, pois tais intervenções podem permitir reduções de custos no longo prazo. No Brasil, onde a inflação médica está próxima de 20% (VCMH/IESS, Set/16) e a economia passa por uma fase de alto desemprego e redução do rendimento da população ocupada, a identificação dos beneficiários que utilizam a maior parte das despesas assistenciais da saúde suplementar é importante para que possam ser desenhadas soluções que visem a melhoria da qualidade da assistência tanto para essa população quanto para os demais beneficiários, concomitantemente à busca pela manutenção da sustentabilidade econômico-financeira do setor.
Fonte: IESS