Os brasileiros são os mais vulneráveis do continente em caso de emergência: 44% deles – mais de 70 milhões acima dos 15 anos– consideram impossível levantar cerca de R$ 2.500 numa necessidade extrema, segundo o Banco Mundial (para permitir comparações, o órgão usou uma quantia relativa, equivalente a 1/20 do PIB per capita).
No mundo, só sete países estão mais despreparados. Dos brasileiros que acham possível obter a quantia, apenas 16% dizem poder recorrer às próprias economias; mais da metade pediria ajuda a amigos ou parentes.
APENDICITE NAS FÉRIAS
“São duas coisas em que ninguém pensa: seguro de vida para o pai ou mãe de família e a reserva de emergência”, afirma o planejador financeiro Flavio Kokis. “Mas o telhado pode cair, o filho pode ter uma apendicite nas férias, o carro pode quebrar e ficar caro.”
Segundo ele, quando guarda algum dinheiro, a maior parte de seus clientes (das classes A/B) está pensando em viajar para a Europa ou em comprar um carro novo. O planejador diz que o ideal é ter um fundo de emergência que varia de 3 a 12 vezes o custo mensal da família dependendo da profissão, da estabilidade de renda, do estado civil, entre outros itens.
Segundo levantamento da Serasa feito em 2015 (2.002 maiores de 16 anos, margem de erro de 2 pontos percentuais), 73% dos brasileiros não conseguiriam cobrir seus custos por mais de 90 dias. A situação fica mais grave na velhice, porque “o tempo é uma serpente altamente venenosa”, como disse um empresário de 62 anos que preferiu não ser identificado. “Quando alguém chegou à minha idade e não poupou nada, passa a ser um problema social”, afirma ele.
TRÊS VEZES NULA
O estudo do Banco Mundial leva em conta só a poupança financeira, que é um dos itens de patrimônio capazes de assegurar recursos na velhice ou numa emergência. A posse de imóveis, de veículos, de bens duráveis que possam ser vendidos e mesmo o investimento em educação são também considerados formas de poupança.
Apesar da dificuldade em levantar dados objetivos sobre o patrimônio dos brasileiros, estudo feito a partir da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) do IBGE indica que 81% das famílias têm poupança financeira nula. Se a casa própria for considerada, são 61% os de poupança zero, e 47% não têm nem dinheiro, nem casa, nem carro como patrimônio.
O trabalho dos economistas Marcos Antonio Coutinho da Silveira e Ajax Reynaldo Bello Moreira tem como base as duas POFs mais recentes (2002/2003 e 2008/2009). Para os pesquisadores do Ipea, um dos fatores que impedem a acumulação de poupança é o baixo acesso ao crédito. Sem empréstimos para suavizar o consumo, as pessoas consomem toda a renda. Mas, mesmo entre os 10% mais ricos da população, 46% das famílias tinham poupança financeira zero.
SALDO DE R$ 1,66
Construir indicadores que levantem o lado patrimonial das famílias para avaliar seu equilíbrio financeiro é considerado importante pelo Banco Central, conforme seu relatório de inclusão financeira de 2014. O número de pessoas físicas com caderneta de poupança não é um bom indicador, porque as contas não são usadas para fazer reservas.
Dos 131,8 milhões de brasileiros com caderneta, 60% tinham menos de R$ 100. O saldo médio era R$ 1,66. Segundo o diretor de Relacionamento Institucional e Cidadania do BC, Isaac Sidney Menezes Ferreira, estudo feito em 2014 mostrou que 45% das famílias não tinham sobra financeira regular. “Um número significativo mencionou ainda custo-benefício (rendimento não vale a pena, taxas altas, impostos), não inclusão bancária ou falta de confiança no sistema financeiro” como razão para não investir.
POUPANÇA E PIB
O nível de poupança não afeta apenas as perspectivas da vida de indivíduos e famílias, e seu padrão de consumo agora ou no futuro, mas também as perspectivas de crescimento econômico.
O aumento do PIB depende também do investimento, que precisa ser financiado por poupança: o que as famílias e o governo deixam de consumir (poupança doméstica) ou recursos externos (endividamento no exterior).
“Estimular o aumento do nível de poupança do brasileiro é um desafio que reconhecemos e que temos buscado entender melhor”, diz o diretor do Banco Central Isaac Sidney Menezes Ferreira. Criado em 2010 para promover a educação financeira no Brasil, o Conef (do qual fazem parte o BC, a CVM, quatro ministérios e duas superintendências, além de federações privadas) se debruçou mais sobre inclusão bancária e crédito, até agora.
Estudo dos economistas Ricardo Brito e Paulo Minari, do Insper, sugere que o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) permite à maioria dos trabalhadores brasileiros acumular recursos suficientes para complementar a aposentadoria e manter o padrão de consumo na velhice. Eles calculam que, pelas regras atuais da Previdência, famílias com renda inferior a 20 salários mínimos mensais que contribuam com o INSS por mais de 35 anos serão capazes de manter o nível de vida atual mesmo sem poupança própria adicional.
“O benefício mensal e o saldo do FGTS são mais que suficientes para manutenção do consumo; inclusive com folga financeira para aumentar o padrão de vida, doar aos familiares mais jovens, antecipar a aposentadoria, ou mesmo assimilar um corte significativo dos benefícios”, escrevem no estudo.
Fonte: Folha de S. Paulo