A sangria financeira do Postalis, que precisará ser coberta por contribuições adicionais de empregados e aposentados dos Correios até 2039, não se limita a investimentos polêmicos em títulos públicos e apostas equivocadas no mercado de capitais. Uma auditoria interna, mantida em caráter reservado, expõe uma farra nos contratos do fundo de pensão com fornecedores e prestadores de serviços. Há todo tipo de problemas: empresas contratadas por notória especialização e sem a cotação de concorrentes, pagamentos antecipados sem justificativa, cláusulas de renovação automática e ausência de análise jurídica antes da assinatura.
O prejuízo causado por essas irregularidades é diminuto perto do rombo bilionário causado por investimentos mal feitos e que deverá ser arcado pelos participantes durante 23 anos, mas revela uma situação de aparente descuido com o caixa da fundação.
O Valor teve acesso à íntegra do relatório, que foi remetido para a diretoria do Postalis no dia 2 de junho. Foram analisados 25 contratos em diversas áreas, como tecnologia da informação, atendimento telefônico e serviços de advocacia. Dos processos selecionados, os auditores afirmam não ter encontrado evidências sobre a realização de análise jurídica prévia à assinatura dos contratos em 16 casos, o que contraria “os termos previstos nos normativos internos” do fundo de pensão. Outros dez têm cláusulas de renovação automática.
Para os auditores, havia indícios de favorecimento e vícios no processo de contratação em pelo menos dois casos, o que mostra a inexistência de controles internos suficientes e riscos de prejuízo ao Postalis. Um deles é o contrato com a Engrenagem Virtual para a oferta de uma plataforma de educação previdenciária e consultoria financeira aos participantes. A empresa foi contratada menos de 60 dias após o início de suas atividades, conforme registros na Receita Federal, após o envio de carta convite. Sua única concorrente no processo não cumpria integralmente os requisitos pedidos. O regulamento da fundação determina a busca de propostas por três fornecedores.
De acordo com o relatório, a Engrenagem Virtual não havia executado nenhum projeto semelhante e não tinha como comprovar sua competência técnica no momento da contratação, em junho de 2013. Mesmo assim, ela passou a receber em torno de R$ 160 mil por mês pelos serviços oferecidos ao Postalis, segundo a auditoria. Fundos de pensão com mais de 30 mil participantes como o dos Correios filiados à Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) recebiam a oferta do mesmo produto por um valor mensal de R$ 6 mil.
Outro contrato que entrou na mira da auditoria é para o serviço de call center. O relatório indica que a Hedge Assessoria e Consultoria Empresarial, contratada em fevereiro de 2014 por notória especialização, tem como sócio-administrador Cézar Siqueira Assreuy. Ele exercia o cargo de diretor-presidente do grupo Galileo, que emitiu mais de R$ 80 milhões em debêntures compradas pelo Postalis. O fundo teve que fazer provisão para o investimento. Três ex-sócios do Galileo, além de um exdiretor financeiro do Postalis que depois fez parte do conselho de administração do grupo, são alvo de investigações da Polícia Federal por um esquema de desvio de recursos em fundos de previdência privada.
A gestão anterior do Postalis, que ficou menos de cinco meses à frente do fundo, aprovou a rescisão dos dois contratos no fim de junho. Indicado pelo PDT, o expresidente Paulo Furtado foi destituído do cargo dias após a decisão. Um grupo de trabalho criado por ele identificou custo anual de R$ 4,1 milhões com esses contratos e potencial de economia milionária com a rescisão.
A nova direção do Postalis ainda precisa ter seus nomes aprovados pelo conselho deliberativo do instituto. André Motta e Christian Schneider foram indicados, respectivamente, para os cargos de presidente e diretor de investimentos do fundo. Motta era diretor financeiro da entidade e Schneider atuava como presidente da operadora de telefonia Sercomtel (PR). Ambos foram indicados pelo PSD, partido que passou a comandar o Ministério das Comunicações e os Correios.
Procurada, a Engrenagem Virtual informou que desconhece o teor da auditoria e não recebeu qualquer comunicação do Postalis sobre o assunto. Ela argumentou, no entanto, que o valor anual de R$ 2 milhões para a prestação de serviços está de acordo com as práticas do mercado e é compatível com o tamanho da fundação. A Hedge não respondeu os questionamentos enviados pelo Valor.
Segundo a assessoria do Postalis, “a diretoria executiva vem dando continuidade ao trabalho de revisão dos contratos para análise da atual necessidade dos serviços prestados, da prioridade, do custo-benefício, da saudável rotatividade na prestação de serviços e da possibilidade de internalização dos serviços com vistas à diminuição dos custos”. “Portanto, os contratos citados não foram encerrados devido aos apontamentos feitos pela auditoria”, diz em nota.
Fonte: Valor Econômico