“Lie to me” e as auditorias independentes

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Na semana passada, acabei de assistir, na companhia da minha esposa, o seriado “Lie to me”. Com episódios curtos e enredo cuja estória principal se esgota no mesmo episódio, esse seriado tem um conteúdo interessante: como descobrir a verdade através da linguagem corporal das pessoas, sem que elas precisem dizer uma palavra. Como se vê, há bastante utilidade para os profissionais, especialmente aqueles envolvidos com negociações empresariais.

O casal protagonista e seus assistentes são implacáveis na busca da verdade, beirando a crueldade, já que a verdade dói. Não é raro que personagens de vida tranquila acabassem presos no final do episódio porque a sua “verdade” fora descoberta. E não tinha perdão: as autoridades policiais são envolvidas e a lei é cumprida. Isso obviamente nos faz lembrar do instituto da “delação premiada” (tecnicamente, chamada de colaboração premiada, nos termos do artigo 3°, I da Lei n° 12.850, de 2013).

Lembrei, mais especificamente, do depoimento à CPI da Petrobras, em 2015, do senhor Marcelo Odebrecht quando comparou o “delator” a um dedo duro, que merecia menos crédito do que o próprio criminoso – em referência ao castigo que aplicaria à filha que denunciasse as traquinagens da irmã. O “delator premiado” é mesmo equiparado a um dedo duro, assim como o dr. Ligthman e a dra. Foster do seriado “Lie to me”, o que nos indica que o dedo duro está, de certa maneira, a serviço da verdade.

Se é assim, a mesma busca da verdade deve ser precisamente a tarefa dos auditores independentes, especialmente, quando for necessário ler a “expressão corporal” das empresas, para identificar o que não é manifestado em linguagem oral ou escrita. Os auditores independentes são os protagonistas de um “Lie to me” contábil. Nesse sentido é que devem ser aplicadas as novas normas que disciplinam a auditoria independente.

Apesar dessa semelhança, há, contudo, uma diferença essencial: as verdades reveladas pelo auditor independente não necessariamente conduzem à prisão. Nesse sentido, o próprio papel do relatório de auditoria deveria ser repensado para permitir que a administração das empresas manifeste seu ponto de vista, como uma espécie de “defesa”.

O julgamento na elaboração das demonstrações contábeis é um dos principais ganhos trazidos com a adoção dos International Financial Reporting Standards (IFRS) como marco regulatório contábil no Brasil. Por isso, deve ser incentivado, ainda que isso implique a criação de um contraditório no que se refere ao relatório da auditoria independente.

Por Edison Fernandes – Valor Econômico