Regras de transição curtas

Marcelo Abi-Ramia Caetano, secretário de Previdência
Marcelo Abi-Ramia Caetano, secretário de Previdência

Idade mínima crescente e desindexação ao salário mínimo são mudanças defendidas pelo novo secretário de Previdência da equipe de Meirelles

Uma semana antes do anúncio do nome do economista Marcelo Abi-Ramia Caetano como novo secretário de Previdência da equipe do Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, a revista Investidor Institucional fez uma longa entrevista com ele, que até então, era pesquisador do Ipea – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Naquele momento, Caetano passava férias no exterior e seu nome ainda não estava cotado para a função. Agora tem um grande trabalho nas próximas semanas: elaborar a proposta de reforma da Previdência no prazo de um mês, segundo anunciou Meirelles logo após sua posse.

Um dos principais especialistas em Previdência do país, Caetano disse que as regras de transição, para alcançarem o efeito necessário de redução do déficit da Previdência, não devem ser muito longas. “Se fizermos uma regra de transição muito longa, ou se fizermos uma mudança apenas para aqueles que vierem a ingressar no mercado de trabalho daqui pra frente, não teremos tempo para ajustar”, disse.

Por isso, ele indica que as regras deveriam ser mais curtas, sem definir um prazo específico. Autor de diversas pesquisas sobre gastos previdenciários, Caetano aponta que o Brasil ainda faz parte de um seleto grupo de 14 países ao redor do mundo que não possui idade mínima para aposentadoria. O novo secretário vinha defendendo, antes de ser nomeado, a proposta de implantação da idade mínima móvel crescente, ou seja, que possa aumentar de acordo com as mudanças na expectativa de vida da população.

A proposta, segundo o novo secretário, elimina a necessidade de realização de reformas periódicas em função do aumento da longevidade da população. Outros dados levantados pelo pesquisador mostra que o Brasil é um dos países do mundo com maior gasto com pensões por morte, o que deve passar por mudança na reforma.
Em todas as propostas, Caetano ressaltou que as decisões do novo governo, tem um componente político importante.

“Temos parâmetros técnicos, mas no fundo no fundo, a decisão não é técnica. A decisão depende mais da negociação política”, disse. Leia entrevista na íntegra:

Investidor InstitucionalO sucesso da reforma da previdência é um ponto fundamental para a sobrevivência do governo Michel Temer?
Marcelo Abi-Ramia Caetano – Eu não vejo dessa maneira não, que o governo só vai sobreviver se fizer a reforma da Previdência. Existe uma necessidade de ajuste de contas um pouco mais na frente. Se vai ser prioridade ou não, não temos como saber. Será uma escolha política da nova equipe. É importante lembrar que não é uma decisão apenas do Executivo. Para realizar uma reforma minimamente ambiciosa, são necessárias mudanças legais e, muitas delas, constitucionais. Por isso, se o Executivo estiver disposto e não houver a mesma disposição no legislativo, você não consegue aprovar. Então, será necessário contar com uma estrutura de aliança política muito bem montada para aprovar a reforma.

IIComo avalia a incorporação da Previdência ao Ministério da Fazenda anunciada pelo presidente Temer?
MC – Não posso comentar muito sobre isso, pois não sei exatamente quais são as justificativas para essa mudança. Mas um elemento positivo nesse fato é que possibilita uma unidade maior do Executivo para a proposição de reformas. Muitas reformas não andaram, não ocorreram, por conta de divisões internas dentro do Executivo. Isso é um aspecto. Claro que também muitas outras reformas andaram quando o governo conseguiu uma boa coordenação. Então, não é uma condição essencial, mas a unificação ajuda sim.

IIA unificação da equipe da reforma da Previdência também facilita a negociação com o Legislativo?
MC – A unificação da Previdência com a Fazenda facilita a vida para o Executivo, mas depois vem a negociação com o Legislativo, que é outra questão. A unificação dos ministérios não vai ajudar na negociação com o Congresso, não fará muita diferença. Passando a parte da proposição interna do Executivo, terá que enfrentar o Legislativo e depois ainda tem a questão da judicialização. Então, serve apenas para viabilizar uma maior coerência interna no Executivo.

IIComo o aumento do desemprego e a queda na formalização das relações de trabalho agravam o déficit da Previdência?
MC – Há um efeito negativo de curto prazo, pois o resultado da Previdência depende do mercado de trabalho. Tivemos desde o ano passado até agora uma perda muito grande de empregos, uma média de 100 mil empregos formais a menos por mês. Então, com menos empregos formais, como a arrecadação previdenciária é baseada nisso, obviamente temos menos arrecadação, temos um componente cíclico do déficit muito afetado. Mas além do componente cíclico, que é conjuntural, há uma parte estrutural, que é dada principalmente pelo envelhecimento populacional.

IIComo o envelhecimento da população está impactando no desequilíbrio das contas da Previdência?
MC – A população está envelhecendo muito rápido, em uma velocidade bastante acelerada. Isso ocorre em função da queda da taxa de fecundidade que ocorreu na virada do século. Então, temos um gasto previdenciário que tende a ficar cada vez mais alto e uma arrecadação que tende a cair em função desse envelhecimento.

IIO que você acha da proposta do estabelecimento de uma idade mínima móvel para a aposentadoria?
MC – A ideia de estabelecer uma idade mínima móvel vem aparecendo em alguns países e faz bastante sentido. A proposta elimina a necessidade de realizar reformas previdenciárias periódicas em função do processo de envelhecimento populacional. Então, por exemplo, se colocamos uma idade mínima hoje de 62 anos de idade, como um parâmetro qualquer, e daqui a 10 anos, a expectativa de vida da população tenha aumentado muito além disso. Então, uma idade que fazia sentido em um momento dado, no momento seguinte, pode ficar baixa novamente. Quando se coloca uma idade ajustada de acordo com a expectativa de vida da população, temos um ajuste que fica automático e elimina a necessidade de realizar reformas previdenciárias de tempos em tempos.

IIComo devem ser as regras de transição?
MC – Temos parâmetros técnicos, mas no fundo no fundo, a decisão não é técnica. A decisão depende mais da negociação política. O que predomina é uma discussão política. A meu ver, nós perdemos tempo para realizar a reforma. Estamos atrasados para realizar a reforma. Deixamos para realizar a reforma tardiamente. No início do século, a taxa de fecundidade no Brasil começou a ficar abaixo de 2,1 filhos por mulher. Essa é a taxa que a população se mantém estável, ou seja, não decresce. A taxa já caiu para 1,9 filhos por mulher e existe a tendência de convergir para 1,5 filhos por mulher nas próximas décadas. Vamos começar a ver essa geração que começou a nascer com a taxa de fecundidade menor que 2,1 filhos, daqui a pouco vai entrar em idade economicamente ativa. Vão sair do final da adolescência para entrar na vida adulta.

IIVocê está dizendo que será uma mudança muito rápida e que a transição deveria acompanhar essa mudança?
MC – Sim, isso vai representar uma queda muito rápida do número de contribuintes nos próximos anos. Em função disso, se fizermos uma regra de transição muito longa, ou se fizer uma mudança apenas para aqueles que vierem a ingressar no mercado de trabalho daqui pra frente, não teremos muito tempo para ajustar. Por isso, as regras de transição precisam ser curtas. O quão curtas serão as regras, isso é uma questão política, não é meramente técnica.

IIQual a situação de outros países em relação à adoção da idade mínima?
MC – Há apenas 14 países que não adotam a idade mínima. São na maioria países da África do Norte e do Oriente Médio, basicamente são países com maioria árabe. Um exemplo é o Irã, que não adota idade mínima. Na América, acredito que só o Equador tem a regra que permite a aposentadoria sem um limite etário, mas mesmo lá, há um tempo de contribuição mais alto que o Brasil. Então, é uma situação muito peculiar do Brasil em não adotar a idade mínima.

IIQual a tendência mundial em relação às idades de aposentadoria para homens e mulheres?
MC – A tendência mundial é igualar a idade de aposentadoria para homens e mulheres. Com as mudanças na longevidade das populações nos últimos anos, a tendência é acabar ou reduzir a diferença de idade de aposentadoria entre homens e mulheres. Novamente, se isso será feito ou não, é mais um questão política que técnica.

IIQual a sua posição em relação à indexação do salário mínimo aos benefícios da Previdência Social?
MC – Sou favorável à desindexação porque já haverá um aumento muito grande em função do envelhecimento populacional. E se adicionar além disso, o ganho do benefício acima do ganho da produtividade, que é o acontece quando ocorre a indexação do salário mínimo ao piso do benefício previdenciário. Acho mais razoável manter o reajuste da inflação, para manter o poder de compra e, com isso, mantém o poder aquisitivo das pessoas e mantém a sustentabilidade. Então, a indexação da inflação não prejudica a questão social.

II O que você acha da proposta de equiparação das regras do setor público (regimes próprios) com o regime geral?
MC – Vejo a equiparação como um norte. Mesmo que não se atinja a equiparação total, mas vejo essa direção como uma direção de harmonização das regras. Isso vale não apenas para os servidores públicos, mas também para outros regimes de aposentadorias, entre homens de mulheres, regras especiais, professores, militares, trabalhadores rurais. Então, mesmo que não haja uma unificação de tudo isso, mas que seja um norte, ainda que não seja alcançado. Se formos nessa direção, vamos reduzindo as várias diferenças que existem tanto do ponto de vista da concessão de benefícios quanto do pagamento de contribuições.

II Por que alguns estados como o Rio de Janeiro e outros chegaram a uma situação que não estão conseguindo pagar os servidores assistidos?
MC – Há várias motivos que levaram a essa situação das contas. Primeiro é que os regimes não foram capitalizados ou capitalizaram muito pouco. Não acumularam recursos antes para pagar a aposentadoria dessas pessoas para não depender do caixa do Tesouro. Essa é uma questão geral dos estados. Outro fator é que grande parte dos servidores dos estados estão vinculados ou à educação de ensino médio e fundamental ou então à segurança. E são justamente duas categorias que conseguem aposentadorias especiais. E a agravante no caso dos professores, que já têm uma aposentadoria antecipada, a maior parte é formada de mulheres. Então, há uma dupla antecipação pelo fato de ser professora e mulher. E no setor de segurança há regras que também permitem a aposentadoria antecipada e o valor do benefício que é reposto quase integralmente. Não é só isso, mas são agravantes porque há muitas pessoas que se enquadram nos regimes especiais.

IIO que fazer para equilibrar as contas dos regimes próprios dos servidores?
MC – É necessário um conjunto de mudanças. É preciso mudar as regras de pensões por morte, regra de acesso ao benefício, fórmula de cálculo do benefício. Uma série de mudanças. Quando se colocar a necessidade de reforma, deve-se colocar a responsabilidade fiscal de um lado e a harmonia social de outro lado. Se pensar do lado puramente fiscal, pode-se adotar regras extremamente rígidas que vão forçar uma revisão da reforma lá na frente, pois o quadro social ficou prejudicado. E o contrário, quando se amplia benefícios e valores, cria-se uma conta que não se consegue pagar, então a sustentabilidade fica comprometida. Não se pode pensar em apenas um lado ou outro senão acabará forçando lá na frente uma reversão, seja para ampliar valores de benefícios ou do outro lado, quando houve uma redução de custo muito alto no sistema. É preciso buscar um equilíbrio entre essas duas forças para conseguir reformas duradouras.

IIVocê é a favor do incentivo à previdência complementar? Como avalia os novos fundos de pensão dos servidores da União?
MC – Sim, é necessário um incentivo à previdência complementar. A estrutura previdenciária é montada em alguns pilares. Tem o pilar básico de pensões não contributivas, para as pessoas que não conseguiram contribuir ao longo da vida ativa e não conseguem aceder a um benefício. Por outro lado, você tem as pessoas que tem uma inserção regular e a Previdência Social concede o benefício. E há aquelas pessoas que têm uma inserção regular e que ganham muito acima da média da população brasileira, então, a previdência dessas pessoas deve ser complementada, ou através de estruturas tradicionais de previdência complementar, seja aberta ou fechada, ou por meio da própria poupança individual. Em todo caso, a previdência complementar deve valer para um público com nível de renda mais alto. Não vejo possibilidade de colocar para a população como um todo. Não tem como as pessoas com rendas mais baixas acumularem poupança suficiente para financiar sua aposentadoria.