Aos 76 anos, a fluminense Geralda Medeiros conta com experiência na vida e no mundo dos investimentos arriscados. A administradora de empresas da cidade de Paraíba do Sul começou a aplicar em ações quanto já tinha 40 anos, empolgada pelas histórias de um colega de trabalho.
Mesmo com uma vida corrida, encontrou tempo para fazer um curso sobre o mercado de capitais na Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. Tomou gosto pelo assunto e decidiu começar a mexer no dinheiro que até então estava dedicado à tradicional poupança. Apesar de ter colhido alguns prejuízos pelo caminho, não parou mais de aplicar em ações. “Todo mês investia em alguma coisa e eu mesma chegava à conclusão de que deveria investir em empresas sólidas”, conta. Atualmente aposentada como fiscal do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além da leitura de jornais, Geralda costuma se preparar analisando os balanços financeiros das companhias para acompanhar sua situação de perto. “Procuro boas pagadoras de dividendos, vejo as empresas que estão mais estáveis e aplico. Companhias boas, que deem lucro, mas que estejam custando muito pouco”, diz.
Gerdau, JBS, Vale e Petrobras são alguns dos papéis que já figuraram em sua carteira. Embora minoria, Geralda integra um grupo que tem ganhado cada vez mais relevância na bolsa brasileira, apesar das decepções provocadas pelo menos nos últimos cinco anos. As contas de investidores acima de 66 anos somavam 91.155 ao fim de junho, o que corresponde a 16,3% dos 558.164 CPFs de pessoas físicas cadastradas. O número cresce ininterruptamente desde 2002, início da série histórica da BM&FBovespa, e praticamente dobrou desde 2008, quando a crise financeira internacional estourou.
Apenas no primeiro semestre deste ano, o volume de contas de idosos na bolsa cresceu 5,7%, enquanto o registro total de CPFs de investidores de todas as faixas etárias caiu 7,9%. A maior baixa do período, de 19,5%, ocorreu no intervalo entre 16 e 25 anos. Ainda que detenha o quinto maior peso na bolsa em número absoluto de contas a liderança é ocupada desde o fim de 2013 por investidores entre 36 e 45 anos, com fatia de 23,8% , os idosos são responsáveis de longe pelo maior volume financeiro do mercado, equivalente a 44,4%, ou R$ 48 bilhões, do estoque total mantido em custódia, de R$ 108 bilhões. O acúmulo de riqueza ao longo da vida dá respaldo a um total investido mais polpudo e esse aspecto também pode explicar a segunda posição, ocupada por pessoas com idades entre 56 e 65 anos, que respondem por cerca de 22% do estoque.
Mas quais são as razões para o aumento da representatividade dos mais velhos na bolsa nos últimos tempos, numa trajetória que contrasta principalmente com a diminuição das contas de pessoas de 16 a 35 anos e com uma certa estabilidade vista na faixa dos 36 aos 45 anos? Dentre os fatores que podem justificar esse movimento, José Raymundo de Faria Júnior, planejador financeiro certificado pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF), menciona a questão da diferença geracional, com os jovens nascidos após 1980 cada vez mais avessos ao risco.
A maior experiência dessa geração é um fator tido como favorável para a bolsa em períodos de crise. “Quem tem mais vivência de mercado fica menos preocupado e tenta investir”, ressalta Faria Júnior, que também chama atenção para um menor imediatismo desse público em relação aos aplicadores mais jovens. “É muito difícil colocar na cabeça das pessoas de 35 anos a importância do investimento de longo prazo.”
O diretorexecutivo de produtos da BM&FBovespa, Eduardo Guardia, tem visão semelhante, e faz menção ao momento de maior volatilidade da bolsa. “Pode ter um componente de oportunidade de compra com uma visão não tão curto prazista. As pessoas mais velhas são menos ansiosas, têm capacidade de entender e alguns anos para buscar o investimento”, pontua. Uma maior preocupação com a manutenção não com a construção do patrimônio também pode estar entre as explicações para o avanço dos idosos no mercado. Faria Júnior destaca ainda o próprio envelhecimento da população brasileira.
Conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a proporção de pessoas de 65 anos ou mais no país cresceu de 5,9% para 7,4%, de 2000 para 2010. “Essa mudança demográfica vai continuar e a expectativa de vida aumentou”, diz. Isso quer dizer que falar de longo prazo pode fazer sentido, sim, para a terceira idade, mesmo que a fatia dedicada ao risco deva ser menor que a dos mais jovens. Se o investidor já tiver um patrimônio formado, por que não dirigir de 15% a 20% para a bolsa para tentar capitalizar para filhos e netos, questiona o planejador financeiro. “A recomendação é de reduzir a fatia em renda variável, mas não há obrigação de não investir mais em bolsa”, afirma. Ainda segundo Faria Júnior, casos como o da OGX, que atraiu um grande número de pessoas físicas, ainda são muito recentes, com uma parcela desses investidores sem interesse em voltar ao mercado depois que se viram prejudicadas pela crise da empresa, hoje em recuperação judicial.
Corretora mais antiga da Bovespa, a Magliano conta com clientes com média de idade entre 45 e 50 anos. O presidente da corretora, Raymundo Magliano Neto, assinala que a preferência do público mais velho costuma recair sobre ações de empresas boas pagadoras de dividendos, como a própria Geralda mencionou. “São clientes que focam mais em ações de bancos, não aceitam papéis altamente especulativos, porque são muito seletivos no que querem”, diz. Esses investidores também costumam apresentar um volume financeiro mais elevado, porém tendem a girar menos o portfólio de ações que os jovens, indica Magliano Neto, que vê nesse público maior resiliência por já ter enfrentado outras crises econômicas no passado.
André Moraes, analista da XP Investimentos, conta que as ações de primeira linha, as chamadas “blue chips”, são as mais demandadas pelo público da terceira idade. Na corretora, 80% das operações desses investidores, que respondem por mais de 15% de sua base de clientes ativos, envolvem papéis como da Vale, Petrobras e Ambev e de bancos e siderúrgicas. “São investidores menos agressivos, com carteiras que buscam dividendos e retornos de longo prazo, mas também percebemos uma leva muito grande de pessoas da terceira idade que vêm buscando retornos mais curtos, especulativos”, afirma Moraes.
Diferentemente da geração anterior, esses aplicadores têm certa familiaridade com o computador, diz o analista, o que tem facilitado o entendimento de operações de curto prazo, com viés especulativo, feitas por meio de home broker. A disponibilidade é outro aspecto que conta a favor. “Principalmente para operações de curto e médio prazo, é preciso de tempo para operar. O aposentado tem tempo e não depende mais desse dinheiro que vai tirar das operações para viver”, observa Moraes. Por fim, o analista da XP ressalta que ficou mais barato operar no mercado de ações, com produtos que permitem investimentos com baixo capital, especialmente no segmento BM&F.