Planos de saúde: o nó é agora

healthcare-costs-2
Crise econômica começa a comprometer a operação de alguns planos de saúde, que estão perdendo um número grande de segurados que tinham planos empresariais

Quem conhece os planos de saúde privados brasileiros sabe que são produtos com data de validade. Que, sem alterar profundamente a Lei 9.656/98, não há muito a ser feito, exceto tocar o barco com a competência possível, até ele acabar de fazer água e submergir definitivamente, deixando 50 milhões de brasileiros sem proteção e as filas do SUS ainda mais longas.

Na longa história legislativa nacional, com leis tão ruins quanto “O urubu é nosso”, da década de 1960, a Constituição Federal, de 1988, e o Estatuto da Criança e do Adolescente, completando 20 anos, a Lei dos Planos de Saúde privados tem lugar de destaque. Basta lembrar que, 24 horas depois de ser votada, o Governo baixou uma Medida Provisória que alterou mais de 80% do enunciado original.

E a prática se manteve por um bom tempo, com o Executivo baixando uma longa série de Medidas Provisórias, alterando, remendando e consertando o desastre votado com a finalidade de ajudar a campanha presidencial de um dos candidatos daquela eleição. Como não podia deixar de ser, a lei é muito ruim. Por conta disso, os que atuam no setor foram driblando as armadilhas e dando um jeito de tocar em frente, até os dias de hoje, quando perto de 50 milhões de pessoas são cobertas pelos planos de saúde e outros 20 milhões, pelos planos odontológicos.

Ninguém discute que, na teoria, falta muito para os planos de saúde brasileiros serem considerados excelentes. Mas, na prática, no dia a dia da população, eles são um dos sonhos de consumo do cidadão médio. Entre as duas visões, não deveria haver como o administrador público acreditar na teoria, mas não é isso o que acontece. Tanto faz se os 50 milhões de brasileiros que têm planos de saúde não querem sair deles de maneira nenhuma; tanto faz se a rede hospitalar privada nacional mudou de patamar graças aos pagamentos feitos pelas operadoras; tanto faz se o SUS não está ainda mais sobrecarregado graças a eles; tanto faz se eles são responsáveis por mais de 60% dos recursos investidos anualmente em saúde.

A cada dia que passa os planos de saúde privados são bombardeados por todos os lados. É verdade que parte das críticas e ações se justifica pelos maus serviços prestados por algumas operadoras. Mas as discussões vão muito além do atendimento melhor ou pior oferecido por este ou aquele plano. E a implantação com pouco critério de “boas ideias” e soluções “em favor do consumidor” pode apressar o processo de destruição do sistema. Até aqui, o quadro é conhecido. Como diria o caipira: “com caldo de galinha e cautela” é possível encompridar o futuro dos planos de saúde privados. Mas esse quadro de relativa tranquilidade está seriamente ameaçado, pelo menos para alguns milhões de brasileiros que terminarão 2015 sem seus planos de saúde privados.

A crise econômica, política e moral que abala a sociedade brasileira está comprometendo o curto prazo da operação de um bom número de planos de saúde. A discussão não é mais sobre a teoria, mas sobre como compensar os estragos causados pela irresponsabilidade do Governo ao longo dos últimos anos. A maioria dos planos de saúde nacionais são planos empresariais, normalmente dados pelas empresas para seus funcionários. Com a crise, as empresas estão demitindo, ou seja, os ex­-funcionários estão perdendo seus planos.

Titulares de planos coletivos por adesão não estão conseguindo pagar as mensalidades, aumentando a inadimplência junto às operadoras que, por isso, têm menos dinheiro para pagar os custos de seus segurados. Ex-­titulares de planos de saúde estão requerendo na Justiça a manutenção do benefício sem o pagamento da mensalidade. Na prática há pouco a se fazer, exceto baixar o padrão do plano ou sair dele.

Uma única operadora perdeu no segundo trimestre 120 mil segurados. A tendência é que este número cresça até o fim do ano, atingindo severamente todo o setor. Mais do que nunca é hora de muito cuidado. Com caixa baixo, um movimento brusco pode quebrar mais de uma operadora. Isso seria péssimo para o Brasil e para os brasileiros.

 

Antônio Penteado Mendonça – sócio da Penteado Mendonça e Char Advocacia, secretário geral da Academia Paulista de Letras e comentarista da Rádio Estadão.