Perspectivas: saúde privada no Brasil

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Por Márcio Coriolano

Projeções apontam que o Brasil terá 65 milhões de idosos em 2050, o que equivale à população de mais de cinco cidades de São Paulo. Estimativas com base em estudos do Banco Mundial (BIRD) mostram que o país envelhece mais aceleradamente que as nações mais ricas. Os países desenvolvidos, no entanto, ficaram ricos antes de envelhecer. Diante dessa perspectiva, o que fazer para garantir a continuidade do acesso pelos cidadãos aos serviços essenciais, nesse futuro relativamente próximo?

Especialmente no atendimento à saúde – área com procedimentos caros e que envolve questões de alta complexidade –, é necessário mudar estratégias no setor privado e promover a reforma regulatória, de imediato, considerando a mesma urgência com que se clama pelas reformas tributária, judiciária e política. As pressões vêm de todos os lados. Para citar uma delas, a rápida europeização da tábua de vida brasileira já é uma evidência: na França, mais de 100 anos se passaram para que a porcentagem de idosos aumentasse de 7% para 14%; no Brasil, o mesmo caminho foi percorrido em apenas 20 anos.

Somando-se a isso o fato de que os gastos com assistência à saúde tendem a crescer em ritmo acelerado, há razão suficiente para preocupações. Em 2013, as despesas assistenciais entre as associadas à Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) totalizaram R$ 35,7 bilhões – alta de 16,1%, em relação ao ano anterior. No Brasil, os custos avançam 18% ao ano; nos Estados Unidos, o chamado “Primeiro Mundo”, 5%. Muito se cobra do setor privado de saúde – qualidade e prazos no atendimento, soluções médicas, acesso aos melhores tratamentos, preços pagáveis –, um direito inalienável do cidadão-beneficiário do plano, que é provedor financeiro da área, por meio do pagamento das mensalidades. Por essa razão, as afiliadas à FenaSaúde – entidade que representa 31 operadoras que são referências do mercado, entre as mais de 1.200 em atuação – vêm convocando os consumidores para o centro das discussões, de forma que tomem seus lugares como principais fiscais dos gastos assistenciais, da gestão desses recursos e da qualidade na prestação dos serviços.

Para tanto, a Federação lançou ampla plataforma de comunicação com a sociedade, que tem entre os principais objetivos divulgar informações do setor, tornar claras as regras dos contratos e a legislação que rege os planos de saúde, estimular seu bom uso e discutir propostas para o desenvolvimento do segmento. A propósito, os dados do setor são públicos.

Divulgados regularmente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os indicadores mostram que o segmento vem respondendo aos anseios da sociedade. Segundo a última edição da publicação Foco – Saúde Suplementar, da ANS, em março de 2014, o índice de reclamações dos beneficiários caiu pelo quinto mês consecutivo, para os conjuntos de operadoras de pequeno, médio e grande portes. Os órgãos oficiais de defesa do consumidor também são fonte de consulta. Entre as dez áreas monitoradas pelo Procon-SP, planos de saúde ocupam, ano após ano, as últimas posições do ranking de queixas – 7º, 9º, 8º e 7º lugares, de 2010 a 2013 –, o que demonstra o empenho das operadoras em corrigir eventuais imperfeições no atendimento.

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Contudo, para advogar a necessidade de reformas regulatórias que assegurem alicerce para qualificação contínua, ambiente amigável aos investimentos e sustentabilidade ao setor, recorramos à macroeconomia. Os planos de saúde são responsáveis por 90% do movimento em hospitais. O setor privado gira mais de R$ 100 bilhões ao ano, com uso intensivo de mão de obra. Outro dado é que o crescimento registrado nas duas últimas décadas estimulou os empresários, mesmo os pequenos, a qualificar a gestão dos recursos humanos, fazendo da oferta de planos uma moeda forte para reter trabalhadores. Atualmente, 25,9% da população brasileira têm planos médicos e 10,7% são beneficiários de planos exclusivamente odontológicos – ao todo, 71 milhões de brasileiros estão cobertos pelo segmento que suplementa o atendimento público em saúde. Com base em informações de dezembro de 2013, o percentual de brasileiros com mais de 80 anos beneficiando-se de planos ou seguros de saúde é de 32,4%. Em 2003, a taxa era de 25,2%.

A entrega de serviços também deve ser objeto de análise. O Sistema Único de Saúde (SUS), mantido com a contribuição compulsória dos brasileiros, realizou, em 2012, 4,5 ressonâncias nucleares magnéticas e 18,4 tomografias computadorizadas por grupo de mil habitantes. O número de consultas per capita, no SUS, foi de 3,5. Já a saúde suplementar realizou, no mesmo ano, 90,4 ressonâncias nucleares magnéticas e 95,4 tomografias computadorizadas por mil habitantes. No setor privado, as consultas per capita alcançaram 5,6 – dados que, em muitos casos, aproximam-se e até superam os de países desenvolvidos, em termos de contraprestações.

Junte-se ainda o fato de que, como resultado do processo de inclusão socio-econômica, cada vez mais brasileiros desejarão ter um plano ou seguro de saúde, assim como se aspira à conquista de um emprego e da casa própria, ou ao acesso à educação. Entre 2012 e 2013, as associadas à FenaSaúde registraram expansão de 8,9% em sua base de beneficiários, superando 27 milhões, equivalentes a 38,1% do mercado. Cada vez mais longevos, eles chegam em busca de soluções para viver melhor.

Drugs+pills+medicine+XXX+high+resDisso se conclui que, além das transições demográfica e etária, as mudanças epidemiológica e tecnológica são grandes desafios. Em um país desenvolvido – por isso, envelhecido –, passam a prevalecer doenças crônicas, o que eleva custos de tratamentos médicos e com internações. Não é o caso, portanto, de citar Shakespeare e dizer que há muito barulho por nada. Há razão para a mobilização que as associadas à FenaSaúde propõem. Apesar disso, é lenta a reação da sociedade e dos poderes constituídos para colocar em prática as medidas e reformas fundamentais à sustentabilidade da saúde suplementar.

Quem tem o dever de se responsabilizar – agentes privados, órgão regulador e governo – resiste em reconhecer as falhas e parece aguardar soluções mágicas. Isso não vai acontecer. Caso se anseie por mais argumentos para acelerar as mudanças, vamos a eles: a chamada inflação médica não obedece à dinâmica dos índices que medem a desvalorização do poder de compra. Ao contrário, o “Dragão da Saúde Suplementar” tem apetite muito maior, uma vez que, além de refletir a expansão nos preços, resulta também da incorporação tecnológica e do aumento da frequência no uso dos recursos disponíveis para assistência médica. Entre 2007 e 2013, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor, IPCA, fechou em 44%. Já a variação da despesa assistencial per capita acumulou 101% no mesmo período, e a correção autorizada pela ANS para planos individuais foi de apenas 61%, gerando passivo.

Cabe esclarecer que a alta contínua das despesas com assistência à saúde não é um fenômeno local. É empreitada universal que requer grande esforço das autoridades regulatórias, de agentes de saúde e governos, para que os sistemas que suplementam o atendimento público sejam economicamente viáveis. Ainda de acordo com o boletim Foco da ANS, desde 2010, o setor de saúde suplementar vem obtendo resultados apertados. A margem líquida das operadoras médico-hospitalares brasileiras caiu de 5,18%, naquele ano, para o patamar de 2,22%, em 2013. Ano passado, pela primeira vez em cinco anos, o mercado obteve resultado positivo. A velha e boa matemática prediz: baixo retorno financeiro afugenta investidores.

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Deve-se estar atento, então, ao que alimenta o “Dragão da Saúde” e o faz crescer. Para começar, os desperdícios. Abusos nos gastos da cadeia de saúde são os grandes aperitivos. Os custos aumentam, anualmente, em torno de 20% só nos pagamentos a hospitais. Isso em uma economia que cresce 2%, com inflação de 6%. Na área de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME), as distorções têm proporções épicas. Algumas próteses recomendadas por médicos inexplicavelmente chegam a custar mais de R$ 500 mil. Outra equação difícil, mas não impossível de ser resolvida, é a incorporação acrítica de novas tecnologias.

Aqui, busca-se saber em que circunstâncias as inovações devem se tornar coberturas obrigatórias dos planos de saúde. Não é arriscado afirmar que a decisão deve ser orientada pelo interesse da coletividade, e não do individual, da exceção, daquilo que elitiza. Já existem práticas em outros países que podem ser adaptadas à realidade brasileira,como ocorre no Canadá, no Reino Unido e na Austrália, onde há forte controle da adoção de inovações e incorporação de novos medicamentos e tecnologias. Claro, quem paga a conta é o consumidor. Não se pode conduzir o consumo na saúde como muitos o fazem nas tentadoras lojas de departamentos: um chamariz para futuros endividados. Há urgência em equilibrar os contratos e regular os custos ao longo da cadeia produtiva, conferindo-se transparência aos gastos. Isso pode ser feito por meio de uma regulação focada, mas sem excesso de intervencionismo estatal.

Políticas restritivas ao desenvolvimento dos mercados não causam problemas somente no Brasil. Nos EUA, entre 1980 e 2012, o índice de inflação ao consumidor subiu 216%, e a despesa per capita com saúde saltou em 818%, segundo a Kaiser Family Foundation. Muito provavelmente por força de uma reeducação do consumo, esse quadro começou a mudar em 2011, quando, pela primeira vez em 32 anos, a taxa inflacionária anual foi maior que a variação dos gastos com saúde. Em 2013, o crescimento dessa despesa ficou estável, em 3% ao ano, mais próximo da inflação. Dois fenômenos podem ser apontados como disciplinadores: a crise econômica de 2008, que só encontra precedente no crash de 1929, e a coparticipação dos cidadãos nos pagamentos de procedimentos médicos, o que os tornou mais diligentes na fiscalização dos gastos assistenciais.

A educação financeira sempre produz bons resultados. Não por acaso, crianças estimuladas a administrar suas mesadas e jovens que fazem alguma contribuição para o orçamento doméstico quando começam a trabalhar tornam-se grandes poupadores no futuro. Os beneficiários dos planos têm papel definitivo na reforma desse sistema. Porém, é preciso coragem e união da cadeia produtiva da saúde em torno do controle do desperdício, para dobrar a curva ascendente dos custos, e da revisão do marco regulatório do setor, destravando-o de amarras que impedem a flexibilização da formatação de produtos.

Assim, a oferta de planos de acordo com diferentes perfis de necessidade seria permitida. Com essa determinação, a FenaSaúde lançou o Guia do Consumidor, entre inúmeras outras ações que se tornaram referência para todo o setor de seguros e que podem ser conhecidas no hotsite da campanha “Plano de Saúde – O que saber” (http://www.planodesaudeoquesaber.com.br). Fica aqui o nosso convite de parceria. É hora de somar forças em nome das gerações atuais, porque a grande novidade é que todos nós, vivendo bem mais, seremos o futuro.

Marcio Serôa de Araujo Coriolano

Presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde)