As ameaças ao mutualismo e à sustentabilidade dos planos de saúde

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Antonio Carlos Abbatepaolo, diretor executivo da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge)
Um serviço essencial compartilhado e financiado por todos. É dessa maneira que os planos de saúde funcionam: em uma base coletiva, ou seja, no mutualismo. O financiamento do sistema de saúde suplementar se dá com a contribuição dos beneficiários de uma determinada faixa etária que, por meio das mensalidades pagas, permitem que alguns usuários da mesma faixa etária possam utilizar mais os serviços assistenciais e outros, menos.
Assim, é possível diluir o risco e cobrar uma mensalidade mais acessível a todos. Porém, o que tem se observado com mais frequência no Brasil é uma tendência de não considerar o que foi estabelecido nos contratos dos planos de saúde. No entender do beneficiário, ainda que um determinado procedimento não conste em seu contrato ou no rol de procedimentos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ele tem o direito a receber esse atendimento, recorrendo à Justiça para pleiteá-lo. Está em curso no País um fenômeno cada vez mais frequente: a judicialização.
Não é errado buscar um direito. Entretanto, quando a via judicial é acionada para casos em que esse direito inexiste contratualmente, cria-se um cenário de insegurança jurídica. É preciso considerar que os custos assistenciais, antes determinados pelos cálculos atuariais feitos pelas operadoras de planos de saúde para estabelecer o conteúdo e os valores dos contratos, já não podem mais ser previstos somente com base nos riscos contratados. Dessa forma, os outros beneficiários do plano são obrigados a arcar com mensalidades cada vez maiores, reduzindo inclusive a oportunidade de outras pessoas contratarem um plano de saúde.
A escalada crescente de ações levadas à justiça tem consumido mais e mais recursos das operadoras de planos de saúde, ou seja, cerca de 1% do faturamento anual das mesmas. Parece pouco, mas o percentual já se reflete em balanços com prejuízos de algumas no ano passado. Sem falar do risco à saúde, já que os medicamentos importados sem registro na Anvisa estão no topo da lista de motivos que levam os beneficiários a recorrerem aos tribunais. Muitos deles ainda estão em fase experimental, e não sabemos os reais efeitos desses tratamentos.
Os tribunais têm muitas vezes julgado as ações movidas pelos beneficiários com base no Código de Defesa do Consumidor, sem que haja um conhecimento mais aprofundado da repercussão das decisões para os demais usuários dos planos de saúde.
Da parte do beneficiário, também é preciso haver um entendimento de que as operadoras estão dispostas – e são obrigadas – a cumprir tudo aquilo que estiver estabelecido no contrato. Portanto, em muitos casos que vão parar na Justiça, não há negativa de atendimento.
As decisões favoráveis aos beneficiários para os pleitos não contemplados em contrato ou no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS representam uma ameaça à sustentabilidade das operadoras. Isso porque os fundos de recursos que as operadoras têm de formar com as mensalidades pagas pelos beneficiários serão insuficientes para arcar com procedimentos e outros serviços que não eram obrigatórios por contrato.
Uma boa nova para o setor e para o País, é que já existem iniciativas para se discutir o direito na saúde, tanto que o Conselho Nacional de Justiça aprovou enunciados que esclarecem aos juízes as principais questões envolvendo o setor.
Além disso, há discussões no âmbito da ANS para manter a sustentabilidade do setor no longo prazo, como o desenvolvimento de novos produtos e uma estratégia para incentivar a venda de planos individuais. Quanto aos contratos, torna-se mais urgente a necessidade de serem seguidos à risca, do contrário, a pena sobrecarregará financeiramente as operadoras de planos de saúde e os próprios beneficiários da saúde suplementar.